O Mundo Maravilhoso das Radios

 
 
O MUNDO MARAVILHOSO DA RÁDIO - Trabalho de Carlos Leite Ribeiro
(excerto de texto de minha autoria que dei em várias Formações de Animadores/Locutores, para obterem s carteira profissional)


Desde que nos servimos da palavra (isto é verdade em todos os casos), a do locutor; a do conferencista; a do conversador – pretendemos sempre PERSUADIR.
Persuadir alguém, é ser capaz de lhe comunicar o nosso pensamento – é tentar mostrar que se possui uma verdade, e, que essa verdade é suscetível de ser compartilhada.
E, nos tempos que vão correndo, a arte de “persuadir”, é uma verdade, com as regras e os seus costumes. As regras são necessárias, e o saber aplicá-las depende, muitas vezes, de certa espontaneidade ou de um certo dom pessoal. A rádio, iniciou uma nova “arte de persuadir” ... ? Há ou não há, uma diferença entre a palavra dita ao público, quando este está na presença de quem a diz, ou aquela que se dirige a um auditório distante, e é enviada por meios técnicos ...?. Para quem fala, simultaneamente, a um público presente e vivo e a outro distante – tratar-se-á de se associarem dois pontos diferentes e, possivelmente antagónicos...?.
À primeira vista, se quem fala, consegue comunicar diretamente com aqueles que o conhecem, pode ter fortes razões para comunicar com os que não conhece e, que nem sabem quem é que lhes está a falar. Mas, os meios que nos servimos, diferem segundo o público radiouvinte que nos escuta – o que se diz para os ouvintes que nos conhecem, pode deixar indiferente os ouvintes que não nos conhecem. É a tal grande diferença entre o auditivo e o visual.
Este estado de coisas, põe-nos um problema de múltiplos aspetos difíceis de resolver, relacionados com a missão da palavra – esse precioso instrumento de comunicação entre os homens.
Há na palavra uma espécie de milagre perpétuo – basta abrir-se uma boca para se pronunciar um som. Este som, apesar do seu carácter material, é destinado a transmitir uma realidade de carácter espiritual. De todas as formas da matéria, o som, parece ser a mais fluida e impalpável – é, na realidade, evasante. O pronunciar, desaparece sem deixar vestígios – mas, se um gravador o reanima – o pensamento que exprime, ressuscita com ele. Mas, a palavra não é somente uma intermediária entre o pensamento e a expressão – entre o espiritual e o material.
Goza ainda do poder excecional de pôr, necessariamente em relação, dois órgãos diferentes – com efeito, a palavra, inseparável da voz, é ouvida. Estes dois aspetos da palavra proferida e ouvida, coincidem no mesmo homem – quem se fala, ouve-se...
Esta relação entre a voz e o ouvido, é sem dúvida inseparável da consciência humana. A voz, exprime atividade, enquanto que a audição, exprime uma passividade. E, porque o homem pode ouvir o que se diz, que ele se pode retificar, na caso de não ser correspondido à intenção pretendida, à significação que pretendia alcançar. Por consequência, graças a esta atividade da palavra, e a esta passividade de audição, numa modalidade autocrítica perpétua, é um controlo pelo qual o homem tenta comunicar, precisamente, o que ele quer dizer a quem o ouve.
A consciência realiza, por este meio, um diálogo consigo própria.
Em contrapartida, na comunicação entre dois seres, produz-se uma espécie de divórcio entre a palavra e a audição. É, precisamente sobre este divórcio entre a atividade da voz e a passividade da audição, que repousa toda a possibilidade de comunicação entre consciências.
Esta atividade e esta passividade, aparecem profundamente ligadas uma com a outra – um ouvinte, ouvindo o que lhe dizem em silêncio, não pode compreender o que dizem, sem reconstruir para si – embora, de determinada maneira.
A “palavra interior”, que cada ouvinte pronuncia para si mesmo, logo que ouve a palavra de outrem, é a base de toda a compreensão.
Quais são as transformações que a Rádio pode introduzir neste quadro de compreensão, que implique um estreito entendimento entre a voz e o ouvido?...
Antes de mais nada, a Rádio aparece-nos como um instrumento de análise.
Quando um público ouve quem lhes fala, vê um corpo humano, um homem (ou uma mulher), cuja intervenção é a de comunicar a outro o seu pensamento. Assim o ouvinte vê a sua fisionomia, observa os seus gestos. De certa maneira, todo o homem que fala, o faz com todo o seu corpo – a palavra é sempre uma forma parcial de expressão, porque essa expressão põe em jogo o corpo inteiro.
Perante um público presente, é possível separar e mímica da palavra. Em todos os tempos, a pantomima conseguiu, isolando os gestos daqueles que tentavam comunicar. Juntando o gesto à palavra, para mais se parecer com a realidade, a televisão criou uma ilusão mais complexa.
A essência da Rádio, consiste em separar os ecos e os sons ( o princípio da Radiodifusão), suprimir o aspeto visível da expressão. Fica no desconhecido uma multiplicação de movimentos, sem a qual a palavra parece perder a sua condição essencialmente viva.
A Rádio, põe-nos o seguinte problema: em que consiste a significação do som, examinando só a sua pureza?
O som, é um modo de expressão, absolutamente separado.
O importante é que uma comunicação que se estabelece pela palavra, pressupõe dois participantes: um que fala e outro que ouve. A palavra é a cadeia, ou seja, a ponte que os liga.
Considerada na sua essência, isola este modo de comunicação, e, a cadeia deixa de ter as suas extremidades visíveis – isto é, o que fala e o que ouve. Em Rádio, verifica-se o isolamento do som que liga os dois interlocutores. É, por isso que ela é o melhor sistema de estudo do som, em si próprio, como puro meio de comunicação entre as consciências, quaisquer que elas sejam.
A diferença essencial entre a comunicação real, imediata, que se pode estabelecer entre os homens, e a comunicação estabelecida entre eles, através da Rádio, põe em jogo o contraste entre a presença e a ausência. Na palavra há como uma dupla presença. Em Rádio, uma dupla ausência – aquele que fala não vê o que escuta – o que escuta, não vê quem fala.
E, para mais, enquanto a conversa, o discurso, etc., são sempre inseparáveis de acontecimentos vivos nesse momento, a Rádio capta o relato do acontecimento, indiferente ao tempo e ao lugar onde se verifica.
Basta que o ouvinte queira ouvir um som gravado anteriormente para que, dando uma volta a um botão do seu aparelho de escuta e gravação, esse som se torne presente.
Esta possibilidade dá ao ouvinte uma espécie de soberania sobre o som, tornando-o o seu amo, talvez como compensação da ausência de vida real, parece inseparável de toda a conversação.
A palavra gravada fica, indiscutivelmente à disposição de quem a possui, independentemente da vontade de quem a produziu, e, com o qual crê comunicar sempre que o queira fazer.
Aqui chamamos a atenção de todos aqueles que pretendem ser profissionais da Rádio. Pensei sempre que nunca estão sozinhos e a palavra pode não ser tão fugidia como muitos pensam...
Quais são, pois, perante a Rádio, as atitudes do ouvinte e do apresentador...?
Nem uma nem outra coincidem com as que têm na vida de todos os dias (no nosso dia a dia), quando nenhum aparelho (de emissão ou de receção) está em jogo.
Com efeito, o ouvinte, ao desejar pelo som (neste caso pela Rádio) e só pelo som adquirir uma informação, ou receber uma mensagem (não interessa de que género), interessa-se pelo que lhe comunica o seu interlocutor invisível, pedindo-lhe apenas uma certa verdade objetiva.
Tornando-se, pois, necessário que aquele que pretende comunicar, por intermédio do microfone, o faça com um tom de objetividade suscetível de criar adesão e confiança. Em muitos casos, a Rádio, não se contentando em emitir apenas um som, estabelece uma espécie de comunicação, ideal e imaginária, entre diferentes sentidos, porque o ouvinte tenta perceber, além do que é audível. Para tanto, até inconscientemente, ele trata de reconstruir na sua imaginação o espetáculo que mais lhe convém, para melhor compreender o que lhe explicaram pelo som.
Podemos assim dizer que a Rádio utiliza o meio sonoro, mas evoca o meio da visão.
Tudo isto, é apenas um aspeto da atitude do ouvinte, que não pode deixar de se influenciar pelo timbre da voz que ouve.
Certas vozes deixam-no insensível, outras provocam emoções. Há nas vozes um elemento comparável à fisionomia. Não se vê aquele que fala ao microfone – dá-se uma espécie de abolição da sua imagem visual – mas ouve-se, e a tonalidade dessa voz é inseparável da tentativa de um conhecimento do homem.
Chega-se a supor reconhecer o que há de mais profundamente essencial num ser, pela tonalidade da sua voz, muitas vezes mais expressiva do que a sua fisionomia, que pode ser imóvel.
Falar, é um ato no qual aquele que fala, põe todo o seu ser. É por isso que a voz é em muitos casos tão reveladora, e que, mais do que o rosto, descobre quase sempre a individualidade de um carácter.
Assim, uma nova revelação é feita ao ouvinte atento, apresentando-lhe um pormenor importante e sugestivo. Pode ser que a Rádio “apague” tudo quanto uma voz tenha de particular e de original – ou aquele que fala, a deturpe ou a modifique, voluntariamente ou involuntariamente. O ideal será sempre que, aquele que fala, embora sentindo a presença do microfone, se deixe em presença de si mesmo e do seu pensamento. Eis, sem dúvida, o último ponto ao qual a Rádio é capaz de chegar.
Depois de termos enumerado os aspetos diferentes que se podem distinguir na maneira de escutar a Rádio, façamos uma distinção análoga das diferentes maneiras de se exprimir perante o microfone.
- Se não há público que assista, a quem se deve dirigir aquele que fala ?...
Indiscutivelmente, ao aparelho que tem na sua frente, que personifica esse público. A maioria dos que falam ao microfone, dizem que este é singularmente enervante, impedindo muitas vezes o curso normal do pensamento, dificultando a expressão, estabelecendo como uma barreira, entre a palavra e o espírito. O microfone impõe a sua presença aos que falam na Rádio, apesar de não ser mais do que um aparelho. Mas, que se sente um certo embaraço perante este aparelho, é por uma razão grave. O microfone não personifica uma personagem ideal, um radiouvinte imaginário, embora possua um carácter quase “divino” ou mesmo “diabólico”, no sentido em que é um intermediário entre aquele que fala e um número considerável de ouvintes invisíveis.
Ele, tem um poder extraordinário, que a voz não possui – mostra a responsabilidade e o peso da mais insignificante palavra.
Nada lhe escapa, e o seu papel de intermediário é cumprido rigorosamente, levando ao auditório tudo quanto se diga ou faça por meio do som.
Em que tipo de ouvintes pensa um locutor quando fala ao microfone? Quem são eles?
Primeiramente, esses ouvintes são numerosos e ausentes – têm um carácter anónimo.
Com efeito, um locutor (ou apresentador) fala a uma multiplicidade infinita de ouvintes possíveis.
A voz, dirige-se a todos quanto a ouçam ou venham a ouvir através de uma gravação. Consequentemente, a palavra destina-se, não a um ser isolado, não a público mais ou menos numeroso, mas a todos os ouvintes que têm, ou poderão vir a ter a possibilidade de ouvir – a palavra tem um carácter de universalidade potencial.
Parece pois que a Rádio pretende cortar todas as relações entre aquele que fala e quem o escuta, particularmente vivo, situado num ponto determinado do espaço e do tempo.
Em todo o caso, este facto não passa de uma ilusão, pois, ou ouvintes são elementos de um público, embora de características muito diferentes.
Cada ouvinte encontra-se quase sempre só perante o seu recetor. Portanto, no momento em que um locutor fala, dirigindo-se a este público (que normalmente ultrapassa em número qualquer assembleia normal), apenas o faz, na realidade, e um único ouvinte.
É por esta razão que se diz (e justamente) que há, nas comunicações estabelecidas pela Rádio, um certo carácter confidencial. O bom ouvinte, deve sentir-se o único ouvinte.
A Rádio realiza, portanto, um facto extraordinário: dirige-se (deve) a todos os ouvintes. “Uma voz para todos e para cada um”.
É ainda por esta razão que a Rádio pode ter um carácter impessoal e indeterminado – mas também e ao mesmo tempo, um carácter mais íntimo, mais confidencial e mais secreto.
Eis duas possíveis atitudes daquele que fala ao microfone: “Falar para todos e falar para um” e também “Falar a si mesmo”.
Falar para todos e falar para um. No entanto, a atitude melhor, e que atinge o cúmulo das possibilidades de comunicação entre as consciências, é bem outra:


Falar a si mesmo (não é a mesma coisa do que falar de si mesmo)



O locutor, pretendendo comunicar o seu pensamento, como que esquecido do microfone, indiferente aos radiouvintes, consegue estabelecer uma perfeita ligação com quem o ouve.
Aquele que fala na Rádio, antes de falar com outrem, deve falar consigo próprio. Incapaz de comunicar o seu pensamento, se o pretende comunicar, antes de mais nada, que esse pensamento nasça no fundo de si mesmo.
Para comunicar a outrem o seu pensamento, é necessário que este pensamento apareça com a expressão mais profunda do que o homem tem de mais pessoal, e que, no momento em que se procura, precisamente, atingir o maior auditório possível, ele fala sempre como se falasse a si próprio.
Aquele que ouve, no fim de contas, tem também a impressão de que os pensamentos que lhe comunicam são os seus.
Isto só se consegue se o que se comunicou se tornar para quem ouve, o seu pensamento. Daqui se infere que apenas se pode estabelecer uma comunicação atual, viva e espiritual, entre duas consciências. É este o ponto mais alto que a Rádio pode atingir.
Para se persuadir realmente, não se deve procurar a persuasão.
É preciso que o pensamento tenha um carácter espontâneo. Que apresente, só por si, e fazendo parte integrante, uma forma da sua sinceridade e que se expressou seja o testemunho dessa sinceridade. Se esta condição se realizar, os homens apercebem-se de que há, entre eles, uma espécie de fundo comum – o que é verdade para um, também o é para outro.
Logo que nós descemos até às raízes da nossa intimidade, em vez de sermos separados por diferenças intransponíveis, comunicamos, mesmo sem o queremos e sem o sabermos.
O ponto extremo que nos é dado pela Rádio, parece ser, sem dúvida nenhuma, o mesmo que se verifica naquele que fala e naquele que ouve.
Este ponto extremo não se saberá atingir sem se consentir numa outra mediação, que se resume numa contínua atenção sobre nós próprios.

Se alguém lhe pedisse para colaborar num programa de Rádio, qual seria a sua reação? Se você for como a maioria das pessoas, entrará simplesmente em pânico.
Pensará logo: será que possamos melhorar os nossos dotes oratórios?


Claro que sim. Qualquer pessoa o pode, para que seja possível, basta aprender.
Deve ter em conta dois pontos fundamentais: a preparação e a apresentação. Ambas são muito importantes, senão vejamos:
- Deve escolher bem o assunto, o qual deve ser um tópico sobre o qual você tenha opiniões bem firmes. A única maneira de nos sentirmos à vontade diante dum microfone, é entender da matéria que vamos apresentar, e, sobretudo acreditar naquilo que tentamos transmitir (seja em que situação for). Escolha um assunto que interesse diretamente os ouvintes e adapte a eles a sua mensagem;
- Organize com lógica os seus argumentos. Mas você precisa de engendrar um ponto de partida (geralmente uma descrição sumária do assunto que vai falar) e, depois um corpo de texto que enumere os pontos principais. E, por fim, precisa de um final que resuma toda a sua exposição.

Atenção: A palavra em Rádio é muito fugidia, razão que deve repetir sempre e por outras palavras o que se disse anteriormente. Ouvir é muito diferente de ler e até de ver.

- Depois de tudo bem planeado, você vai precisar de ensaiar a melhor maneira de transmitir os assuntos aos seus ouvintes: Se lhe for possível, ensaia em casa sozinho e depois peça a opinião de quem saiba. Nunca tenha receio de uma crítica;
- Seja natural e faça desde logo amizade com os seus ouvintes (um bem muito precioso para que fala aos microfones. Lembre-se sempre que o ouvinte é que faz o favor de o escutar). Dê preferência a termos simples e a frases curtas (mais fáceis de ficar no ouvido do ouvinte);
- Haja sempre com naturalidade e segurança (nada de falsas personalidades e pense que o ouvinte já há muitos anos aprendeu a ouvir Rádio). Se por acaso se apercebeu que cometeu algum deslize, não tente emendar. Se por acaso se esqueceu do que ia a dizer a seguir, guarde consigo esse segredo, pois, os outros não o vão saber (a menos que você lhes diga). Nestes casos meta um pouco de música instrumental que poderá interromper a qual altura, ao contrário da música cantada que nunca deverá ser interrompida. Depois siga com outro tópico. Não fale muito e tenha sempre a preocupação de não saturar o ouvinte. Nunca se esqueça que a grande e imprescindível decoração da Rádio, é a música.

ATENÇÃO: Nunca grite para o microfone pois ele não é surdo! fale para ele como se fosse um amigo que estivesse àquela distância.

A Rádio foi o primeiro meio de comunicação ao dispor do homem moderno, que assumiu este aspeto fascinante: falar, ao mesmo tempo, a um indivíduo e a uma massa coletiva.
Saliente-se, no entanto, mais uma vez, o facto essencial de a Rádio se dirigir especialmente a um só ouvinte isolado, embora atingindo simultaneamente uma soma considerável de outros ouvintes também isolados, que, no seu conjunto, formam uma autêntica multidão onde cada elemento se encontra separado dos outros por compartimentos estanque.
No entanto, este isolamento pode não ser físico, e muitas vezes não o é – mas sim um isolamento interior. Este carácter íntimo da comunicação radiofónica é de tal forma imperioso, que ele determina o estilo dos trabalhos radiofónicos.
A Rádio veio impor modificações profundas nos hábitos e na maneira de viver dos homens modernos. É, talvez difícil ter-se a medida exata desta interferência, tal como não é fácil atinar com a sua razão fundamental. Parece que a Rádio pôs fim a uma espécie de isolamento no qual vivia o homem. Muitos seres humanos que antes do aparecimento da Rádio, se sentiam e realmente se encontravam isolados, têm agora o sentimento de fazer parte de uma comunidade. A mensagem fraternal da Rádio é permanente, regular, insistente.
Uma nova forma de comunicação foi estabelecida: os ouvintes sentem-se menos sós e participam na vida social. Atinge-se assim, um ponto extremamente importante. A reação instintiva contra um sentimento de solidão, por um lado, e a tomada de consciência coletiva (que muitos consideram uma autêntica revolução), por um lado, são como uma réplica interior ao carácter bivalente da Rádio.
Pelo que se sabe do ouvinte, verificamos claramente que a luz não vira do seu lado, limitando-se este, a exigir que a Rádio o informe, a desejar que a Rádio o divirta e a aceitar que a Rádio o eduque.
Informar, divertir e educar, eis o que pedem à Rádio os ouvintes, cada um colocado no seu campo vedado. Caracteriza-se assim a massa ouvinte: conjunto de elementos individuais, conjuntos de compartimentos habitados – enorme colmeia, onde, em cada alvéolo, existe um recetor e um ou mais ouvintes isolados entre si.
A profissão de um profissional de Rádio, cada vez é mais exigente. Exige-se dele que tenha sempre presente o desejo de trabalhar para todo o auditório, e, só depois para o seu gosto pessoal, assim como o gosto dos amigos, estes, muitas vezes, responsáveis morais de uma fraca qualidade que alguns programas radiofónicos apresentam.
A produção radiofónica tem um papel muito importante a cumprir: Divulgar, Ensinar, Entreter.
No entanto, ponhamos desde já de sobreaviso todos quantos se dedicam ao assunto ou se interessam por eles, contra os maus resultados de certa “cultura popular”, arremedo da verdadeira cultura, utilizada pelos mais divulgadores ou por aqueles que, sem altura para tanto, pretendem tratar assuntos de nível elevado. E aqui é como o povo diz:”A ignorância é muito atrevida”.


NADA CUSTA FAZER - É PRECISO É SABER FAZER !


A Rádio, neste aspeto, necessita de especialistas, pois é muito mais difícil divulgar pela palavra falada do que pela palavra escrita. Quando são abordadas ideias totalmente novas, que requerem “segunda leitura”, o auditório fatiga-se, satura-se, perde-se e não acompanha.
Para se fazer compreender pela Rádio, há regras estabelecidas e pequenas subtilezas na elaboração dos textos para serem lidos ao microfone, que são imprescindíveis.
Uma Rádio que nunca ou quase nunca se destina à reflexão pessoal, à ânsia de aprender, que não estimula no auditório a vontade do estudo ou de investigação – não cumpre um dos seus principais pressupostos. Os outros (e também muito importantes, são a Informação, a Divulgação e a Música, esta adequada ao auditório que a Rádio tenha e conforme os horários que é mais ouvida).



A MÚSICA É A DECORAÇÃO RADIOFÓNICA !


Como também não estão a cumprir aqueles que não veem na Rádio um meio excelente de educar o povo, e, que partindo “à prior” deste princípio errado, desprezam um valor social inestimável e uma arma contra a ignorância.
Não se pode escrever para a Rádio como se escreve, por exemplo, para um jornal ou revista. Não é unicamente porque os meios são diferentes, que suportam mal os efeitos literários e o tom enfático que a imprensa permite; é, principalmente, porque o fim é outro, porque a escuta difere da leitura, porque essa escuta tem condições que levam o ouvinte ao uso do esforço mínimo e porque ouvir não é o mesmo que ler.
O ouvinte encontra-se quase sempre sem compromisso de entrega, sem conceder ao locutor (ou apresentador) uma atenção muito especial e recusando-se, muitas vezes, à boa-vontade que daria a compreensão de um texto qualquer que lesse.
O ouvinte pensa que o locutor (ou apresentador) deve – e pode – imputar-se-lhe uma adesão, um esforço de compreensão, uma disposição para receber o espetáculo radiofónico que provocou (ou procurou) voluntariamente.
A um ouvinte, embora se lhe pudesse pedir outro tanto, retira-se-lhe esse compromisso, atendendo ao carácter quase imperativo da Rádio e não à determinação dos seus programas perante seu público; é, por assim dizer, um espetáculo que se impõe e que não tem em conta o direito do espectador.
Além disso, o ouvinte é vítima do carácter fugidio da impressão auditiva. Se, durante uma leitura, se encontram passagens de compreensão mais difícil, o leitor pára e reflete, relê e pensa.
Na Rádio, esta suspensão é impossível. Aquele que escreve, lê ou fala, tem de saber que, se o ouvinte “perder o fio à meada”, dificilmente o torna a apanhar...
Por isso, quem escreve para a Rádio, deverá recorrer às repetições necessárias à compreensão auditiva, sem entrar em exageros.
O escritor, evita as repetições, tanto de palavras, como de ideias – concentra, apura, sintetiza.
Esta preocupação deve desaparecer, quando se escreve para a Rádio, mas tendo sempre em atenção que, de uma maneira geral o ouvinte prefere um texto curto e simples.
O laconismo e a simplicidade constituem o melhor meio de elaboração de um texto radiofónico, capaz de servir e maioria, pois é difícil achar meio termo que permita o tom suficiente oral um e para todos.
A tolerância do ouvinte é também um pormenor a ter em conta, pois o seu sentido crítico apura-se, requinta-se.
Não é necessário um estudo longo do assunto para se reconhecer que, dadas as particularidades do meio que serve, a heterogeneidade do público, etc., a redação radiofónica é condicionada a valores diferentes dos da simples leitura.
Escrever para a Rádio, sem ter presente que o fim é totalmente diferente daqueles que se visa ao escrever para um jornal ou livro, é arriscar-se a não ser percebido e não atingir o que se pretende, independentemente do grau literário e gramatical que se escreve.


INFORMAÇÃO RÁDIOFÓNICA


O Jornalismo falado pode talvez ser considerado como uma regressão, pois a comunicação verbal das notícias procedeu à invenção da Imprensa.
Infelizmente, a Rádio obriga a uma compreensão imediata, pois a leitura das notícias faz-se de uma só vez, e não se repete no mesmo noticiário.
O jornal permite Segunda leitura imediata; a Rádio não proporciona segunda audição. Se o ouvinte não percebeu totalmente, os detalhes serão esquecidos, os nomes modificados, as cifras alteradas, e as ideias, pelo menos, adulteradas.
E, para terminar este quadro, também pode estar em jogo um mau ouvinte, que não preste à leitura do noticiário toda a atenção necessária.
Pelo que se disse, nota-se perfeitamente uma certa semelhança da Imprensa com a Rádio, mas atenção, aquela tem a forma global e, esta tem a forma analítica, o que quer dizer que qualquer texto de jornal, em radiodifusão terá que ser apresentado m forma de comentário, e não deverá exceder a terça parte (o máximo) do corpo escrito.
E aqui, abrindo um “parêntesis”, aconselhamos que façam sempre um comentário às notícias dadas, que poderá ser de forma global.
Também sabemos que, como qualquer indústria, a Rádio, como organização, é suscetível de enfeudamentos, diretrizes patronais, regulamentos limitadores, que determinam irrevogáveis de trabalho, nem sempre ao gosto do ouvinte médio, para quem a Rádio deve trabalhar.
A experiência de outras profissões, ensinou-nos que a incompetência pode ser tão noviça como a má intenção.
Houve um período, quando apareceram simultaneamente muitas Rádios, nem dando tempo a um autodidatismo eficaz, e o método de aprender pelo trabalho, foi o único possível.
Mas esta desordenada aprendizagem, provou pelos seus resultados que é possível ao “prático”, não saber tudo o que poderia saber ou tê-lo aprendido com prejudicial lentidão.
E dá-se, muitas vezes o caso de se aprender a fazer várias coisas de um só modo, quando existem soluções diferentes mais aconselháveis.
Tradicionalmente, é também a teimosia do profissional, capaz de continuar a usar um método já ultrapassado ou ineficaz, só porque aquele foi o seu método.
Sabem que o êxito de uma frase passa pela respiração oportuna, transições de tom e inflexões apropriadas?


A FALA


As crianças normais, atravessam todas as mesmas fases para aprender a sua língua materna, e conseguem mais ou menos ao mesmo tempo. Quer estejam privadas do contacto com ela, ou ainda que sejam estimuladas pelos pais, a praticar exercícios para o seu desenvolvimento.
Com apenas alguns anos de idade, as crianças ficam de posse integral do sistema linguístico, que lhes permite pronunciar e compreender frases, que nunca tinham ouvido antes.
Ao contrário do que acontece com esse ordenado amadurecimento (facto extraordinário que se processa espontaneamente), muitas crianças têm dificuldade de aprender a ler ou a fazer operações aritméticas, mesmo que recebam um bom número de horas de instrução. A criança vai aprendendo a sua língua, ao ouvi-la falar às pessoas que a rodeiam – embora essa linguagem seja tão complexa, que são necessárias páginas e mais páginas de diagramas, fórmulas e notas explicativas, para avaliar qualquer pronunciamento feito através dela, ainda que breve.
Durante o resto da sua vida, a criança irá dizer frases que nunca ouviu, e, quando está a pensar ou a ler, mesmo assim estará na realidade a falar consigo própria.
A Rádio poderá dar uma forte contribuição para a aprendizagem da língua materna às crianças.
Sem dúvida, a voz e o seu completo domínio, constituem a base do trabalho da maioria de determinados profissionais da Rádio, embora, frequentemente, seja notório que alguns locutores têm na voz o ponto mais débil da sua atuação.
A base fundamental para se adquirir uma boa voz, consiste numa eficaz respiração que facilite a obtenção da maior quantidade de ar, com o menor esforço possível, numa inspiração rápida e silenciosa – e uma expiração regular e controlada, também, num mínimo de interferências com o mecanismo que produz os tons na garganta.
Falar bem, com a voz sonora, ou é um hábito sem mérito, ou, um produto de exercícios. São raras as gargantas privilegiadas.
Melhorar a qualidade da voz, requer prolongados estudos, e, há um sintoma que pode orientar aquele que pretende essa melhoria de voz. Esse sintoma é o esforço. Quem fala com esforço, quem atinge este ou aquele efeito vocal, este ou aquele tom, por intermédio de um esforço considerável, terá de corrigir a sua maneira de falar.
A maioria das vozes desagradáveis, ou, cansadas, é consequência da falta de simplicidade na emissão vocal.
Um timbre demasiadamente agudo ou metálico, uma voz mal colocada, provocam fadigas, inflamações (com o seu infindável cortejo de anginas, rouquidão, etc.) e, muitas vezes causa a perda definitiva da voz.
Nunca se deve empregar a voz até ao limite do seu volume. Qualquer exercício que canse ou cause irritação, é um mau exercício, ou mal praticado.
A voz profissional (e só a esta nos referimos) deverá sempre ter como apoio uma respiração que arranque do diafragma, deixando todos os músculos em distensão.
Para obter maior volume, deve alimentar-se a pressão da respiração ao expirar, mas sem elevar a altura do som.
Numa consideração muito breve e mais simples, diremos que, o trabalho ao microfone, exige, quase sempre, um prolongamento das vogais e uma livre vibração das cordas vocais, num total uso de todas as ressonâncias.

 Algumas considerações:

 - Ausência de ímpetos súbitos – relâmpagos de voz – quando não intencionais;
- Altura exata (entre o tom íntimo e o falar alto), deve preferir-se o tom íntimo, sem prejuízo de um timbre suficientemente sonora;
- Descontração (a voz oprimida é desagradável), devendo falar-se com a voz livre e fácil;
- Tom de nível médio (a voz situada, como instrumento vocal, na gama própria. Continuando a tentativa de resumir, terminaremos por afirmar que, a voz falada ao microfone, exige a aplicação de uma técnica especial, que não se pode inventar, nem mesmo quando se possuam verdadeiros dotes vocais. Esse técnica, tem de se aprender, e, pode-se resumir-se assim:
- Boa respiração, suave e silenciosa;
- Emissão fácil, com a voz bem situada “para a frente”; para facilitar o diafragma, tente falar sempre com a ponta do nariz um pouco empinada;
- Articulação dos maxilares claros e, por vezes, exagerada;
- Pronúncia impecável;
- Tom na gama média (variável de indivíduo para indivíduo);
- Dicção lenta, bem matizada (devemos fazer uma bem estudada simbiose entre os tons graves e os tons agudos);
- Expulsão regulada e vagarosa do ar pulmonar;
- Pronúncia até ao fim da última sílaba de cada palavra, recalcando os finais das frases – nunca “comer” as últimas sílabas de cada palavra.

Estas exigências implicam uma diminuição da rapidez de dicção. Por isso, o profissional de Rádio que usa a voz ao microfone, deverá falar com mais lentidão e com mais força do que na vida corrente.
Na Rádio, a interpretação vocal falada constitui, sempre não só base do trabalho, como também a única ao alcance de muitos dos seus profissionais. O trabalho de quase todos os locutores (ou apresentadores), baseia-se no trabalho dos autores, realizadores e redatores – sem esquecer os sonoplastas (também chamados assistentes).
A atuação radiofónica do locutor, do apresentador, do conferencista, do cronista, etc., exige que essa interpretação vocal se baseie numa dicção clara e num frasear correto (deve ler com o sentido da frase, sem perder qualquer som emitido).
Cada frase, encerra uma imagem que lhe dá o seu verdadeiro sentido. Esta imagem, pode ser representada por uma só palavra, ou por um conjunto de palavras, que chamaremos “palavra (ou palavras) de valor”.
Ao dizer a frase, fixar-se-á o destaque principal (acento, mais ênfase, mais força, etc.) nestas palavras de valor, concentrando nelas toda a atenção, embora sem aumentar o volume da voz.
As frases possuem, muitas vezes, vários acentos e, neste caso, terá que dar-se a preferência a um, que será o dominante, sendo os restantes secundários.
Até o locutor interpreta quando lê um noticiário, pois, procurará dar a sensação de uma total ausência de adesão, precisamente através de uma interpretação. Ao interpretar (ou ler, se preferimos um texto, apenas e exclusivamente de acordo com o sentido da frase, este notará imediatamente que a pontuação gramatical não corresponde, quase sempre, ao modo natural de dizer a frase, nem origina inflexões necessárias – isso, obrigá-lo-á a estabelecer certas “regras de fraseio”, que se tornam inseparáveis da locução ou da interpretação radiofónica.
Estas regras determinam-se por meio de pausas, da mais variada duração. Assim, a pausa pode ser um breve instante (tempo de respiração) ou, alcançar uma duração considerável (ponte de transição).
Do valor artístico e estético destas pausas, e o seu aproveitamento, depende o êxito pela ordenação da frase – respiração oportuna, transições de tom e inflexões apropriadas.
Eis as principais “regras de fraseio” aplicáveis à Rádio:
- A vírgula não significa forçosamente uma pausa breve – em muitos casos deve ignorar-se;
- Faltam, num texto para ser lido ao microfone, com muita frequência, os sinais gramaticais respetivos – neste caso, deverá fazer-se uma pequena pausa;
- O ponto e vírgula, pode significar, tanto uma pausa breve como uma pausa prolongada – terá que definir-se de acordo com o sentido do texto;
- O ponto final não significa sempre um abaixamento de voz, embora, signifique sempre uma pausa grande;
- As reticências significam, geralmente, quando incluídas no meio de uma frase, pausas breves, sem que a voz caia ou se torne mais grave – quando se pretender dar a impressão de que se procuram as palavras, o tom deve permanecer o mesmo, ou, deve subir, independentemente da pausa ou das pausas que se efetuarem;
- As reticências, no final de uma frase, significam uma ideia inacabada, devendo provocar uma pausa muito lenta. Isto é, o locutor ou interprete deve completar a frase mentalmente, tratando de não fazer um corte súbito onde começam as reticências – se por falta de concentração do contracenante (nos programas feitos por mais de uma pessoa), se este não “entrar” a tempo, o primeiro, ao ler as reticências, deve, automaticamente, completar a frase que devia ter deixado incompleta ou em suspenso;
- O final das frases, independentemente da pausa que provocam, não deve precipitar-se ou perder-se. Em teatro, diz-se muitas vezes “não deixar cair os finais”, o que não se aplica em Rádio, visto que a voz baixa quase sempre onde, definitivamente, se conclui uma ideia:
- É preferível abrir uma pausa sem justificação estética, a não ter ar para emitir claramente um som vocal; confundir o som das vogais, ou pronunciar defeituosamente;
- O ponto de interrogação determina uma grande pausa, antes do começo da pergunta – quando a frase começa com um elemento interrogativo – tal como “porquê?” – “onde?” – “quem é?” – etc.. Também existem perguntas que são, na verdade, exclamações, e é como tal que se devem ser inflacionadas.
Saber dizer uma frase com o seu acento lógico, aplicando as pausas de modo inteligente, é indispensável para o locutor, e também a todos que falam pelo microfone.
Uma vez vencido o respeito da pontuação gramatical (só a que se deve ignorar) deve ler-se para a locução, quer para a interpretação propriamente dita, de acordo com o verdadeiro sentido da frase.
Se se lhe juntar uma dicção clara e o conhecimento das “regras de fraseio”, a palavra falada atinge, pela Rádio, o valor único que este meio lhe concede e que, simultaneamente, lhe exige.


FALAR NÃO É DECLAMAR!


Trabalho de Carlos Leite Ribeiro (Excerto de textos de Formação que dei para Animadores/Locutores de Rádio, não só para portugueses mas também para brasileiros)

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