A Botica da Ninita



"A Botica da Ninita" – de Carlos Leite Ribeiro

Uma brasileira já é um caso sério, agora imaginem o que será 3 (três) brasileiras à solta. Talvez não seja bem assim…
Certo dia, três grandes amigas (Beatriz, Nancy e Varenka) resolveram ir visitar uma remota ilha das Caraíbas. Poucos dias de estarem nessa paradísica ilha, a “grana”, “cacau”, “pilim”, etc., acabou. Tentaram dar uns espetáculos públicos recitando poesias e dançando a “dança do ventre”: as pessoas passavam, admiravam mas não deixavam a tão desejada moedinha. Já muito desanimadas, certo dia passaram por uma rua e viram numa montra de uma casa comercial um anúncio que dizia “Empregada precisa-se”.
Entraram e viram sentada por detrás do balcão uma senhora com as mãos na cabeça, parecendo meditar. A tal senhora depois de saberem que as três amigas pretendiam emprego, a senhora em princípio só que contratar uma das amigas. Com grande poder de argumentação, as amigas combinaram que ficariam as três e só ganhavam 10% do que vendessem. A tal senhora, por fim concordou e saiu para fazer a sua meditação na praia com os pés dentro de água.
As amigas, já desanimadas, esperaram horas que aparecesse um cliente. Entretanto…

Beatriz – Amigas, vem aí um cliente. Agora vamos ter muito juizinho...
- Olá belezas - boa tarde, sou o Henrique!
Nancy – Amigas, reparem que este também não é parecido com ninguém!
Varenka - Olha que tens razão, este deve ser exemplar único!
Beatriz - Então vamos lá ver o que o freguês deseja...
Henrique - Bem eu desejo... Olhe, quero um bom cachecol, mas parece que é artigo que não têm.
Beatriz - Olhe que você está enganado pois nós temos tudo, de tudo. Olhe aqui cavalheiro...
Henrique - Isto aqui é um cachecol? Mais parece uma manta de tiras!
Beatriz - Peço-lhe desculpa, mas você deve de estar a ver mal. Não sei como isto lhe pode parecer uma manta de tiras?
Varenka: Amigas, eu bem vos avisei que este cliente não percebia nada, mas mesmo nada do artigo destes artigos! Oh cavalheiro, até parece impossível confundir um cachecol moderno com uma simples manta de tiras. Eu nem quero acreditar, que você disse.
Henrique: Bem, sabem... Desculpem, mas este tecido tão largo e tão comprido...
Beatriz: Em parte você tem razão, mas só em parte. De facto o tecido é bastante largo e comprido, mas nós cortamos à medida e ao desejo do cliente. Passem-me aí essa tesoura. Agora você diga-me se a largura está bem assim, assim?
Henrique - Bem... Eu, olhe, talvez um pouquito menos. Talvez assim...
Beatriz - E olhe lá: você quer cortado ao comprimento ou à largura?
Varenka - Olha que será melhor cortares ao comprimento, pois assim, o freguês pode dar meia dúzias de voltas ao pescoço
Nancy - E assim, o cliente não terá mais frio. Olhe que o cachecol até lhe fica muito bem!
Beatriz - Do cachecol já estamos resolvidas. O freguês precisa de mais alguma coisa?
Henrique -Precisar, de facto preciso. Preciso de um cinto de cabedal.
Varenka - Cinto de Cabedal?
Nancy: Oh cliente, os cintos de cabedal já não se usam!
Beatriz - Você é um jovem desfasado da realidade da moda; você não queira ser “bota-de-elástico”. Olhe o que se usa agora são... São cintos a condizer com cachecóis!
Nancy - Desta vez vamos cortar outra tira, mas desta vez mais fininha.
Henrique - Minhas senhoras... Mas, este cinto não tem qualquer furo?
Varenka - Mas isso é tão simples de fazer, quer ver? Amigas, deem aí essa agulha...
Henrique – Cuidado! Olhe que me está a picar... mas onde está a fivela?
Beatriz - Fivela? Pois é, os cintos da moda já não levam fivelas! Ficam assim ... Assim, digamos, com um laço!
Nancy - Você confie em nós pois cada vez está a ficar mais “borracho”!
Varenka - Pelos vistos, você também deve estar a precisar de meias... Olhe aqui estas...
Henrique - Estas meias? Mas são muito pequenas, até parecem meias para bebés!
Nancy - Para bebés? Oh freguês, isso é uma ofensa, se lhe forem pequenas, estique-as pois o que elas precisam é serem esticadas!
Beatriz - E para facilitar o esticamento, ponha-as na água pois elas assim crescem!
Henrique - Bem... Bem, enfim. Sapatos é que...
Varenka - Pois claro que temos sapatos, e dos bons!
Nancy - Estes aqui são muito jeitosos e ficam-lhe lindamente...
Beatriz - Deve calçá-los é com muito cuidado...
Henrique - Ah não! Estes sapatos são muito apertados, estes não me servem! É impossível...
Beatriz - Você desculpe, mas os sapatos servem-lhe lindamente e até lhe ficam muito bem. Terá de insistir um pouco mais... Vá lá, um pouco mais. Você tem é muitos calos nos calcanhares e as unhas muito compridas!
Varenka - O melhor será você cortar as unhas e raspar muito bem os calcanhares!
Henrique - Peço desculpa mas não, não me convencem assim... Com estes sapatos tão apertados, nem podia dançar!
Beatriz - Pois não, nem estes sapatos são próprios para dançar!
Henrique - Além disso nem posso andar com eles...
Beatriz - Que grande admiração, estes sapatos são próprios para se ter guardados em casa, para os mostrar aos amigos, para eles verem que temos sapatos e sempre novos. É a chamada psicologia do sapato!
Henrique - Podem ter razão... mas a despesa hoje... Fica para outra vez...
Beatriz - Por favor cavalheiro, olhe que perdemos muito tempo com você... E um homem da sua categoria, não me diga que não tem aí 400 dólares?
Henrique - Por acaso até tenho, mas ...
Beatriz - Não pode haver “mas” nem meio “mas”. Amigas, embrulhem muito bem estes artigos para este freguês...
Nancy - E talvez não seja muito conveniente você refilar... É que já perdemos muito tempo com você.
Henrique – Não estou nem vou convencido, mas como são tão bonitas, tomem lá o dinheiro e passem muito bem e que tenham bom regresso ao Brasil!

Varenka – Este cliente já está atendido. Vem lá outro…
Marques - Mas onde está essa “caloteira Ninita” que me deve tanto dinheiro há tanto tempo?
Nancy – Amigas, já olharam bem para este “patusco”? Até mete medo!
Varenka - Este “mamífero” deve estar “pirado”! Ou “marado”. Bom da cabeça é que ele não deve estar.
Marques - Deixem-se de conversas parvas e digam-me onde está essa caloteira Ninita!
Nancy - Este está cá a dar-me uns “frenesins” que já me estão a subir à cabeça. Daqui a pouco nem respondo por mim. Agarrem-me, agarrem-me por favor...
Varenka - Tem muita calma amiga Nancy. Não vês que esta “encomenda” descende diretamente deles: dos Primatas?
Marques - Eu já as avisei que deixassem de brincar comigo. Onde está essa caloteira Ninita, não me ouvem?
Beatriz - kkkkk, já viram isto? Bem me parecia que o “homenzeco” estava a falar…Olhe lá, o que é que o senhor deseja, cá da loja?
Marques - O que eu desejo? Desejo falar com a dona deste estabelecimento, essa grande caloteira que já me deve 18 meses de renda.
Nancy - Só dezoito meses?! Sabe, o tempo passa muito depressa. Mas o senhor já há muito tempo que não manda arranjar este prédio…
Varenka - E os canos estão entupidos e rebentados...
Marques - Que estejam rebentados e entupidos. Eu nunca mando arranjar nada. só recebo as rendas.
Beatriz – Essa sua ideia não é nada boa…
Nancy - Já estou a ficar com o coração muito oprimido...
Varenka - Amigas, temos de usar uma prática que alguns praticam no Brasil…
Marques - Deixem-se de lérias e deixem-me passar já para a encontrar.
Beatriz – Aqui não entra você. Tenha cuidado, olhe que não me empurre, seja delicado, pois já estou a ficar muito arretada.
Marques - Se não sais já do caminho, levas-me um grande murro na cara.
Beatriz - Socorro! Socorro! Este homem quer bater-me...
Marques - Está caladinha, senão ainda aparece aí a Polícia, e eu sou um homem sério!
Beatriz – Amigas, por acaso vocês ouviram bem? Ele diz que é um homem sério!
Nancy - Vamos gritar todas e bem alto e acusar que este homem quer violar-nos!
Varenka - Uau, vamos então começar a gritar para os vizinhos ouvirem!
Marques - Por favor, não comecem a gritar, pois seria um grande escândalo, e eu sou um homem sério!
Beatriz - Então vamos dar-lhe uma oportunidade, mas só uma: o que é que você veio cá fazer?
Marques - Vim cá para receber dezoito meses de renda.
Beatriz - Calma. Mas você deve cá uma coisitas que comprou a crédito, não deve?
Marques - Pois devo e não pago.
Varenka - E quando é que conta pagar?
Marques - Eu só pago quando tiver dinheiro e me apetecer.
Nancy - Então a Srª Ninita não lhe deve nada.
Marques - Não brinquem comigo; ele deve-me dezoito meses de renda!
Beatriz - O senhor pense muito bem, porque pode estar enganado.
Varenka - Você está enganadíssimo! Como vê, estão aqui na minha mão, 18 recibos de renda de casa. Vou ver se me enganei, deixe-me contá-los. Não me enganei não: são mesmo dezoito e todos assinados por você. Como vê...
Marques - Mas, mas isso é impossível! Os recibos estão todos dentro da minha carteira, querem ver?
Nancy - Olhe que você deve de estar enganado, verifique e bem.
Marques - É impossível, é impossível! Não pode ser. Vocês roubaram-me os recibos!
Beatriz - Caro senhor, meça bem as suas palavras. Olhe que nos está a ofender!
Varenka - E eu não gosto nada de ser ofendida.
Nancy - Também eu não suporto tal situação, e começo ter vontade de gritar, gritar... E daqui a pouco começo a gritar mesmo!
Beatriz - Caro Sr. olhe é será melhor ir-se embora, pois a situação está a ficar muito perigosa para você.
Nancy – Como sua amiga aconselho-o: Saia rapidamente!
Marques - Eu vou embora, mas vou já queixar-me à Polícia, pois vocês roubaram-me os recibos da renda desta casa. E agora reparo: também me falta o porta notas e o meu dinheiro! Fiquei sem nada, sem nada. Vou queixar-me à Polícia!
Beatriz - E nós também!
Marques – Gozonas! Gozonas! Hei-de vingar-me, vingar-me...
Varenka – Amigas, já repararam que o homenzinho está a fazer uma cara muito cómica?
Nancy - Pois está ...!!!... mas com esta barafunda toda, até já me estava a esquecer ...
Beatriz - A esquecer de quê?
Nancy - Olha, de me rir kkkkkkkkkk!

Beatriz – Amigas, lá vem outro freguês (ou cliente, que é mais fino)
Nancy – Fino? E este até é bem gordinho!
Varenka - Se fosse mais magrinho seria um “borracho”; “pãozinho”; “gatinho” uuuiiii...
Olá boa tarde, Juventude, eu sou o Carlos, pretendente a atleta olímpico!
Varenka - Boa tarde, senhor, Sr. Carlos!
Beatriz - Então o que o freguês deseja de nós?
Carlos - Desejo um fato de treino, mas estou a ver que é artigo que vocês não têm cá.
Beatriz - Meu caro senhor, nós temos de tudo o que os fregueses precisam, incluindo fatos de treino.
Nancy - Nesta casa há de tudo!
Beatriz - Então você quer um fato de treino para quê?
Carlos - Para treinar á noite, pois quero ir aos Jogos Olímpicos.
Varenka - Temos ali um artigo muito apropriado para o seu caso.
Nancy - É o modelo mais apropriado para treinos desportivos à noite.
Beatriz - Aprecie só este luxo de fato de treino, que por sinal há-de ficar-lhe muito bem. Ora experimente.
Carlos - Mas vocês chamam a isto fato de treino? A mim parece-me um pijama!
Beatriz - Isto um pijama? Eu nem quero acreditar no que ouvi. Apesar de ser especial para treinos à noite, não quer dizer que seja propriamente dito um pijama.
Carlos - Além do mais, é muito pequeno.
Beatriz – Perdão, isso é o que você pensa, e pensa mal.
Carlos - É pequeno é, estão a ver? O meu corpo não cabe aqui dentro...
Varenka - Se não cabe, é porque você está muito gordo. Faça ginástica, muita ginástica, pois precisa de emagrecer.
Nancy - Eu vou ajudá-lo. Vá lá, braços bem esticados por cima da cabeça; agora à altura dos ombros; agora para baixo...
Carlos - Cuidado menina, não carregue muito nas minhas costas. Está a fazer-me doer!
Nancy - É só para ver se você consegue tocar com as pontas dos dedos nos pés... um... dois... três... Insista... Insista... Para cima... Para baixo... insista, insista...
Beatriz - Não obrigues o freguês a insistir tanto, pois senão ainda ficamos sem ele.
Varenka - Estou a ver o homem a ficar “desmilinguido”...
Nancy - Como já fez cinco flexões completas, experimente novamente o blusão do fato de treino.
Carlos - Como vê, ainda está um pouco apertado...
Nancy - Então faça mais e mais flexões, que vai ver que emagrece. Um... Dois... Três... Insista, insista...
Varenka - Cá para mim, tu estás a aproveitar da ocasião para te atirares às costas do homem!
Nancy - Cala-te antipática. Tu estás é com inveja. Só estou a tentar ajudar o cliente.
Beatriz - Com estes exercícios todos, o blusão já lhe deve servir.
Carlos - Ainda está um pouco apertado, e as calças são muito curtas. Mas vocês têm razão: preciso mesmo de emagrecer.
Beatriz - Para vocês conseguir emagrecer mais rapidamente, temos aqui este tecido que veio diretamente do estrangeiro, e é próprio para ajudar o emagrecimento dos bons atletas...
Carlos - Esperem lá. Isto parece-me uma simples manta de tiras. Ou estarei enganado?
Beatriz - Pode parecer, mas não é. Você, como atleta, até parece impossível que não conheça este moderno tecido, próprio para atletas olímpicos. Podemos cortar uma tira à medida do seu tronco.
Carlos - Bem, se as amigas me afiançam que é indicado para atletas olímpicos... Mas estas calças estão muito curtas.
Beatriz – Curtas? Então quer dizer que você, um jovem atleta, quer usar calças de fato de treino pelos tornozelos? Isso era antigamente, pois agora, os atletas que se prezam, usam as calças de fato de treino pelo meio da barriga das pernas!
Nancy - Olhe que nós temos muita prática destes assuntos olímpicos. Até somos consultoras dos melhores atletas mundiais...
Carlos - Acredito em vocês, e sendo assim... Também preciso de sapatos tipo desportivos.
Varenka - Sapatos desportivos? Você está completamente desajustado da realidade, pois agora, os atletas olímpicos já não usam desse tipo de sapatos, mas sim deste tipo...
Carlos - Eu nem quero acreditar! O que você me está a mostrar são tamancos com sola de madeira...
Beatriz - Você tem o direito de lhe chamar o que muito bem entender, mas os grandes atletas, os verdadeiros olímpicos, usam destes sapatos pois além de serem muito cómodos, também dão muita velocidade!
Nancy - Meu amigo, se você quer vir a ser um grande campeão, deve seguir à risca todos os nossos conselhos, pois as nossas técnicas são inovadoras. Terá de confiar cegamente em nós, meu amigo!
Carlos - Como veem, estou confiando plenamente. Também precisava de um malote para transportar o material.
Varenka – A nossa amiga Ninita regressou. Seja bem vida!
Ninita – Malote, é artigo que não temos de momento...
Nancy - Peço desculpa mas, a Senhora Ninita ainda não teve oportunidade de ver as encomendas que chegaram hoje do estrangeiro.
Beatriz - Chegaram os mais modernos malotes da atualidade, próprios para atletas olímpicos. Por exemplo, este aqui, é dos mais modernos e mais completos.
Carlos – Mas, mas isto é uma saca de sarapilheira!
Beatriz - Isso é o que lhe parece-lhe, mas na realidade, é uma sarapilheira, mas também um malote especial para atletas olímpicos!
Carlos – Pois, estou a ver. Mas este material deve ser muito caro.
Beatriz - Não é não. Como você leva o fato de treino, assim como a cinta especial própria para emagrecimento, e os tamancos, o malote é oferta da casa...
Nancy - Somando tudo...
Varenka - Não te esqueças que o malote é oferta da casa!
Nancy – São, são 250 dólares.
Beatriz - E pode crer que fez um ótimo negócio. Mas também é nosso dever ajudar os nossos atletas olímpicos.
Carlos - Muito obrigado pelos vossos conselhos. Quando necessitar de mais material desportivo é aqui que virei comprar! Boa Tarde...
Varenka - Boa sorte e bons resultados, amigo!
Beatriz – Senhora Ninita, há um provérbio muito antigo que diz: “Quem não sabe ser caixeiro, fecha a loja”.
Nancy – E agora vamos a contas…
Varenka – Como combinámos, ganhamos 10% do que vendemos…
Beatriz – Incluindo as rendas, não se esqueça.
Ninita – Eu sou de boas contas e não me vou esquecer de nada. Até vou-lhe dar uma gorjeta, para vocês irem comer uma “Dobrada à moda do Porto” e de sobremesa uma “torta de maçã”!
Reação coletiva – Para nós, “dobrada e depois torta”? Nem pensar em tal. Passe para cá o “cacau” pois temos de ir apanhar o navio para o Brasil!
Ninita – Voltem sempre que queiram que serão sempre muito bem-vindas!
NOTA: É um trabalho de ficção. Qualquer semelhança de personagens ou situação, é pura coincidência.
Trabalho de Carlos Leite Ribeiro

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