Lenda de Fátima


LENDA DE FÁTIMA

Trabalho de Carlos Leite Ribeiro



Castelo Alcácer do Sal



Estávamos a 24 de Junho de 1158, em plena planície alentejana, mais propriamente dito em Alcácer do Sal, que nessa data se encontrava cercada pelas tropas de D. Afonso Henriques.
Dentro do castelo e nos seus aposentos, um xerife mouro, falava à sua bela filha Fátima:
" ... já é madrugada. Tu e as tuas servas, vão agora tentar sair do castelo, pela porta da traição. Depois dirigem-se a Sevilha, onde tens de procurar a casa do teu tio Marec, que mora no Alcácer. Conta-lhe que teu pai morreu a defender este castelo a também por Alá !".
- "Mas meu pai, eu não me quero ir embora, quero ficar convosco!" - Implorou-lhe a filha. Mas o pai não concordou:
- "Despacha-te, minha filha. Não vês que não tarda que o rei cristão, D. Afonso Henriques (o "Ibnerrik") está preste a tomar o castelo?! ... e que depois é impossível a tua fuga ...".
- "Vou cumprir o teu desejo. Que Alá te proteja, meu pai!".
- " E a ti também, minha bela filha!".
- " Um beijo, meu pai ...".
Momentos depois, quatro jovens montadas a cavalo, partiram rumo a Sevilha.
Perto do castelo de Alcácer do Sal, numa curva do caminho, um jovem e belo cavaleiro da Ordem dos Templários, estava entre um grupo de amigos, também cavaleiros como ele, e o jovem falava assim aos companheiros:
- "... já meu pai era também cavaleiro Templário. Chamava-se Hermígio Gonçalves, e era conhecido pelo "Lutador" ...".
- "Curioso, o teu pai era conhecido pelo "Lutador", e tu, Gonçalo Hermígues, és conhecido por "Traga - Mouros"! Estes, só de pronunciarem o teu nome, tremem dos pés à cabeça " - acrescentou um dos companheiros, que continuou:
- "Eu não sabia que tinhas uma ilustre descendência Templária ...".
Gonçalo Hermígues, sorriu, encolheu os ombros e continuou a sua história:
-Como ia a dizer, meu pai, o "Lutador", morreu em 1139, na Batalha de Ourique, juntamente com Gonçalo Mendes da Maia, o "Lidador", o qual morreu com 95 anos, a combater os infiéis".
Outro cavaleiro interrompeu, ao dizer:
- "Vamos falar em coisas mais alegres. Olha lá, "Traga - Mouros", além de bravo guerreiro, também és poeta. Ora canta lá um dos teus poemas ...".
- "Somos todos ouvidos" - concordaram os outros companheiros.
O jovem não se mostrou nada interessado naquilo que os companheiros lhe pediam:
- "Pois é, amigos, hoje não estou nada inspirado ..." - e pondo-se em pé, alertou os outros:
- "Atenção! Escutem, que vem aí gente a cavalo - devem de ser Mouros, por isso escondam-se depressa...
-uem vem lá?!... Faça alto!...".Momentos depois, apareceram quatro cavaleiros mouros ...
Saindo dos seus esconderijos, logo os cavaleiros cristãos cercaram os cavaleiros mouros. Altivamente, Gonçalo Hermigues perguntou ao grupo inimigo:
- "Quem são vós, e para onde se dirigem?!... Respondam rapidamente!...".
- "Senhor cavaleiro cristão, sou Fátima e estas são minhas servas...".
Logo os companheiros exaltadamente se expressaram:
- "São quatro mulheres, Gonçalo Hermígues! São quatro mulheres que nos caíram do céu... São um verdadeiro achado!...".
Mas o jovem cavaleiro manteve a postura e, calmamente, aconselhou os amigos:
- "Fiquem de vigia, pois podem aparecer mais mouros" - e voltando-se para as jovens, convidou-as: "E vós, donzelas, acompanhem-me à presença do nosso Mestre. Fátima, venha aqui para o meu lado!".
- "Às suas ordens, cavaleiro cristão!" - Respondeu-lhe altivamente a bela jovem.
Ao iniciarem a marcha, todas as mouras clamaram:
- "Que Alá esteja connosco, que Alá esteja connosco !...".Naquela tarde abrasadora do mês de Julho, encontravam-se ainda nos campos de Alcácer do Sal, o carcereiro e a prisioneira, ou seja, Gonçalo Hermígues e a bela princesa moura - a Fátima.- "Tens um lindo nome, Fátima. Por acaso sabes qual é a origem do teu nome?" - perguntou-lhe Gonçalo Hermígues.- "Sei. Fátima era filha de Maomé e esposa de Ali, o que para vós, cristãos, pouco ou nada diz" - respondeu-lhe meigamente a jovem.Encarando a Princesa, o cavaleiro cristão, comovidamente, disse-lhe:
- "Sabes, Fátima... Tu és tão linda... Fica-me mal dizer-te o que vou dizer, mas estou apaixonado por ti!. Habituei-me à tua companhia, à tua doçura, à tua beleza, que, quando nos separarmos decerto que irei sofrer muito!".Fátima corou e, apelando para toda a sua coragem, meigamente respondeu-lhe:
- "Eu também gosto muito de ti, Gonçalo Hermígues.Também te amo muito, e muito te aprecio. Mas tu és cristão e eu sou moura! ... sinto-me tão infeliz, meu amigo!".
- "Minha querida Fátima, renuncia à Lei da Mofona, e batiza-se pela Lei de Cristo!. Pois assim podíamos casar, pois eu amo-te muito!" - Implorou-lhe o jovem, ajoelhando-se a seus pés.
- "Por Amor a ti, tudo farei, meu querido Gonçalo Hermígues!" - Respondeu-lhe a Fátima, apertando-lhe as mãos - quero-me batizar na tua religião, pois quero ser tua esposa !".
- "Serás a Oriana, a minha querida esposa Oriana!. Depois iremos viver muito felizes para as minhas terras de Ourém, junto onde repousa meu pai...".
Oriana morreu poucos anos depois, o que provocou tamanha dor em Gonçalo Hermígues, o "Traga - Mouros", que renunciou ao Mundo, entrando como monge para o Mosteiro de Cister, em Alcobaça.
 
(Carlos Leite Ribeiro – Maio de 1967 - para a Rádio Clube Português)